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sexta-feira, 13 de julho de 2012

“Palavra de Polícia - Outras Armas”



      Conhecedor do meu envolvimento com a literatura, o Major do subgrupamento onde trabalho indicou-me para participar de uma Oficina de Poesias para servidores estaduais e municipais que atuam com a segurança pública. Outro militar indicado para participar foi o Sargento Adailton Batista, que também é escritor e poeta, autor do livro Usos e Costumes – Um obstáculo ao crescimento das igrejas evangélicas. Fiquei curioso para saber como seria e aguardei da data do acontecimento até que chegou um material explicativo via e-mail que me deixou irritado, então comecei a me armar para receber os professores da Oficina, mas é claro que, com palavras.

      O material de apresentação do projeto dizia em sua conclusão que a poesia seria utilizada como ferramenta para, entre outras coisas, ajudar a “mudar o olhar de cada participante, a sua conscientização sobre sua função social e suas raízes e sua integração”. Mas como assim MUDAR meu olhar? O que é que eles sabem sobre minha conscientização e meu olhar para antes mesmo de me conhecerem acharem que precisa ser mudado? Pensei... Bem, devem estar achando que me conhecem pelo simples fato de eu ser militar, como se todos fossemos iguais. Depois disso, pirei pelos “outras armas”, senti que o material estava me dizendo que a palavra como arma na resolução dos problemas do dia-a-dia estava sendo colocada como uma grande novidade no trabalho militar.

     Enfim, chegou o dia da oficina e tive a grata surpresa de encontrar a atriz Tina Tune entre os participantes e reconheci Elisa Lucinda, mas não me lembrava de onde; gosto de novela, mas não ligo muito pra vida de artista. Então Tina me lembrou dos vídeos do Youtube com Elisa recitando e me lembrei do vídeo Mulata Exportação, nossa foi uma alegria imensa neste momento, pois amei o texto e a interpretação, percebi que neste aspecto eu tinha MUITO que aprender naquela oficina. Então pensei: Vou aprender o que eu preciso e esquecer o resto, mas não consegui esquecer logo na apresentação da equipe por um dos Coordenadores do Cine Teatro a questão “polícia desumana” veio à tona, como se já bastasse estar escrito na divulgação oficial da prefeitura: "A oficina “Palavra de polícia: outras armas”, coordenada pela atriz e poetisa Elisa Lucinda, terá o desafio de humanizar e... (http://www.laurodefreitas.ba.gov.br/admin/app_index.php?chave=7bb0b3a46f78651c75625afabd19a0883deefd66&acao=exibir_texto)

     Eu já estava armado e minha língua coçou para falar naquele momento, mas não queria ser o cara chato logo no início, tinha que sentir o ambiente, mas um PM líder comunitário se levantou, pediu a palavra e falou do seu trabalho na comunidade onde mora e isso me deixou satisfeito. O trabalho começou, dizemos nossos nomes e uma palavra que significasse algo pra cada um de nós, logo depois garimpamos entre os diversos livros um poema para que pudéssemos sentir e visualizar o que o texto estava nos dizendo e assim passamos o dia namorando, cada qual com seu texto, e aquela palavra “mudar” continuava na minha cabeça, agora ela tinha uma companheira “humanizar”.

     No segundo dia da Oficina, eu já estava mais estressado, pois a desconfiança de que eu e outros militares não iríamos retornar para a atividade era muito grande e isso também me incomodava, pois não havia motivo para a gente não retornar, apesar dos sinais de pré-julgamento. Enfim, a oportunidade que eu esperava aconteceu, estávamos sentados em forma de círculo no palco e Elisa falou o que pensava sobre o trabalho da polícia (vídeo no final) e disse que queria nos ouvir, naquele momento pude então conhecer um pouco mais Elisa Lucinda, conhecer os outros participantes da Oficina e ela ouviu tudo isso que você acaba de ler, a minha visão sobre a Oficina até aquele momento.

     Foi um momento bastante legal, foi muito bom pra mim colocar pra fora tudo o que estava me deixando aflito desde o dia anterior, a partir da fala de Elisa Lucinda, percebi que o MUDAR do material de apresentação da Oficina foi um equívoco e que não refletia a realidade. Inclusive, a mesma disse que irá rever o material e que irá retirar esta palavra dele e os outros integrantes da equipe de coordenação da Oficina também se manifestaram. Achei super bacana também o depoimento do Sargento Adailton Batista, que trabalha na formação policial militar a mais de 10 anos e deixou bem claro que a violência começa quando o Estado falha na educação básica e fundamental aliando a falta de planejamento familiar e outros fatores sociais, não podendo ser a polícia a responsável pela violência.

      Lavada a “roupa suja”, a equipe que a Lucinda trouxe para fazer a Oficina era muito competente e prestei atenção em tudo que eles ensinaram e eles conseguiram realmente nos ajudar com a auto-estima, eloquência, desinibição, memorização, erudição e criatividade que também estava na proposta da Oficina. Foi lindo e emocionante assistir meus colegas recitando para o público a noite, havia familiares, comandantes das CIPM’s de Lauro de Freitas, a prefeita Moema Gramacho, representantes da OIT (Organização internacional do Trabalho) e pessoas que foram pelo simples fato de gostarem de poesia e de arte. Fui um dos primeiros a apresentar e errei meu poema, já no finalzinho inverti os versos, fingi que nada aconteceu e fui me sentar, Elisa olhou pra mim e disse: “Leandro, volta e faz novamente” - fui até ela sorrindo, beijei-a no rosto e voltei, errei novamente e desinibido que estava “cai” na gargalhada, sem nenhuma vergonha na cara, ai fiz somente a parte final e sentei.
   
     Foi uma oportunidade ímpar, aprendi com uma das melhores no ramo da poesia no país, segundo a revista Raça, edição número 152, que trás Elisa Lucinda na Capa, seu livro Parem de Falar Mal da Rotina (Texto Editora, do grupo Leya, 2010) lançado no final do ano passado é o segundo livro mais vendido no Rio de Janeiro depois de Tropa de Elite. Além de me deixar desinibido, esta oficina me fez acreditar ainda mais no poder da poesia, renovando minha auto-estima para poder continuar na luta literária, levando a poesia para as escolas, para as comunidades e abrindo espaço através do Fala Escritor para outros artistas da palavra na Bahia, viva a poesia e viva a Escola Lucinda de Poesia Viva.

Leandro de Assis / Sd BM De Assis / Lauro de Freitas-BA
Escritor, professor, poeta e idealizador do Projeto Fala Escritor

Palavras de Elisa Lucinda:

3 comentários:

Patrícia Braille disse...

Já estava aflita achando que você não se manifestaria! Ufa! Quem veio, com o olhar do colonizador que civiliza o selvagem índio, voltou um pouco mais consciente de que aprendizagem acontece em mão dupla: aquele que se propõe a ensinar é o que mais deve estar disposto a aprender. Você foi perfeito em sua análise. Parabéns!

Poeta disse...

Leandro, sempre é tempo de abrir o verbo, mudar, em todos os sentidos...

Eu acho que a vida não tem caminho certo nem errado. As escolhas que fazemos, por falta ou por exesso de conhecimento, faz com que as coisas aconteçam diferente.

Realmente, a falta de governo nesse país vai atravancando tudo, deixando a todos aflitos, entregues à própria sorte...

Que bom que existe a poesia e pessoas interessadas em ver, ouvir, mudar, na essência. E que este exemplo da Elisa e seu continuem, pois, só assim, cada um dizendo o que pensa e debatendo os problemas, a verdadeira mudança poderá ocorrer...

Renata Rimet disse...

Léo, tudo que posso dizer é que sua atitude foi a melhor possivel, se a palavra MUDAR estava ali por acaso, ao menos sabemos agora que a mudança será feita ao menos nos manuscritos...no mais é continuarmos a defender espaços de arte, cultura e lazer, disseminando cada vez mais a ideia de uma educação de base qualificada, de forma que a violência não seja maior que a produção poética...O melhor na experiência foi expor sentimentos e impressões a respeito do tema e ações da proposta inicial...não estamos a espera de um salvador, gênio da lâmpada ou qualquer tipo de super herói capaz de MUDAR o que tem sido até então imutável...precisamos de ações de base, precisamos do conhecimento dos policiais envolvidos com a comunidade, com a arte e toda a parafernalha que promova educação...